Etimologicamente, a designação de Guitarra advém do vocábulo grego Kythara, que mais tarde os latinos converteram em Cithara. Conta uma lenda que este nome provém de Cyterón, o nome de uma montanha situada algures entre a Beócia e a Ática. Mas há quem, discordando desta opinião, defenda que deriva sim de Cythara, o antigo nome da ilha grega Cerigo, a qual era considerada como o paraíso da poesia e do amor, e na qual existia um templo dedicado a Vénus.
Mas, como esta matéria não reúne qualquer consenso, há ainda quem prefira acreditar que a origem do nome guitarra remonta à Idade Média, sendo a sua invenção e construção da responsabilidade de um mouro espanhol que daria pelo nome de Al-Guitar.
Esta corrente diz-nos que a guitarra portuguesa, tal como a conhecemos hoje, é de origem árabe. Mas, se é verdade, que esta teoria é sustentada por inúmeros adeptos, é também verdadeiro o facto de que assenta num pressuposto meramente verbal, o qual compara o nosso instrumento actual à antiga guitarra mourisca, ou sarracénica, associando-a ao fado.
Diz-nos ainda que esta nossa forma musical de expressão essencialmente popular (fado) é de origem árabe. Ora, esta teoria é geralmente rebatida com dois argumentos: é que, por um lado, a guitarra mourisca está na origem de uma linha de instrumentos completamente diferentes - as mandolas e as mandolinas -, sabendo-se, por outro, que a associação da guitarra ao fado é um fenómeno bem mais recente.
A partir de estudos realizados por diversos autores e compositores - como Pedro Caldeira Cabral e António Portugal, entre outros -, parece mais provável que a actual guitarra portuguesa resulte de uma fusão entre dois instrumentos: O Cistro Europeu, ou Cítara (utilizado em toda a Europa Ocidental durante o Renascimento, que apresenta uma forma extremamente semelhante e até, em alguns casos, o mesmo número de cordas e afinações que a guitarra, e que terá sido introduzido em Portugal no século XVI, sobretudo a partir de Itália e França, propagando-se a sul de Coimbra) e a Guitarra Inglesa (aqui introduzida no século XVIII, no Porto, difundindo-se depois rápidamente a norte de Coimbra). Isto poderá explicar as diferenças de construção, de estrutura e de afinação entre a guitarra de Coimbra, com origem no Porto e a de Lisboa.
A conclusão que se tira deste estudo é que a evolução da Guitarra se pode formular a partir de uma teoria baseada nas coincidências existentes entre estes dois instrumentos - o Cistro e a Guitarra Inglesa - dando-se a adopção de elementos de um e de outro e mantendo-se a sua prática ligada, desde o início, à musica de tradição oral. Tal facto não terá também sido alheio à deslocação da Corte para Coimbra, sendo bastante provável que estes dois antepassados da guitarra tenham continuado a ser cultivados entre nós, mesmo depois da época trovadoresca.
Carlos Paredes acrescenta que já antes do Cistro, no Renascimento, a nossa guitarra vai encontrar as suas origens na Cítola, instrumento da Idade Média. E, tentando definir com mais precisão esse "Instrumento musical a que chamamos hoje guitarra portuguesa", diz-nos que "foi inventado em Inglaterra na segunda metade do século XVIII", surgindo como "resposta à necessidade de obter do Cistro uma sonoridade mais emotiva e volumosa, de acordo com as transformações verificadas no gosto musical da época, a apontar para o Romantismo (...) foi-lhe dado o nome de Guitarra Inglesa".
Mas Paredes introduz um dado novo ao dizer que, se na aparência, este instrumento pouco se distinguia do Cistro, "já dele profundamente diferia nas qualidades essenciais". Segundo um texto do mesmo compositor, este novo instrumento teve a aceitação rápida e apaixonada, especialmente pela juventude de diversos países europeus, nomeadamente em Portugal, nas cidades do Porto, Coimbra e Lisboa. Abandonada, no resto da Europa, entre finais do século XVIII e princípios do século XIX, terá sobrevivido até aos nossos dias apenas na Escócia e em Portugal, aqui com o nome de Guitarra Portuguesa, instrumento que se adaptou às expressões da música popular urbana, como é o caso do Fado de Lisboa ou da Canção de Coimbra.
E foi em virtude do sucesso que o instrumento teve entre nós, que o mestre António da Silva Leite publica, em 1976, no Porto, o seu "Estudo de Guitarra", com vista a facilitar a aprendizagem aos seus inúmeros discípulos. Esta obra confirma a origem da guitarra a partir da Inglaterra, onde eram construídas por um artesão de nome Simpson, passando então a ser copiadas e fabricadas em Portugal pelo artesão portuense Luis Cardoso Soares Sevilhano.
Estes factores terão contribuído para a vasta difusão da guitarra na cidade nortenha, onde era usada como instrumento de sala, em substituição do cravo e de outros instrumentos do género. Segundo Silva Leite, a guitarra era "assaz suficiente para entretenimento de uma assembleia, evitando o incómodo convite de uma orquestra".
Esta guitarra, que Mário Sampayo Ribeiro acredita ter sido introduzida pela colónia inglesa no Porto, passou a desempenhar um papel social e musical muito importante, desde o início do século XVIII. Segundo Sampayo Ribeiro, seria já nos finais desse século que a guitarra se "aportuguesaria" e se difundiria por todo o país, a partir da "Cidade Invicta", começando então a substituir a viola que era, até aí, um instrumento de grande popularidade. Será a partir desta altura que a guitarra sofre reajustamentos diversos, com vista a melhor se adaptar às raízes da música tradicional portuguesa.
É então que um construtor anónimo do século XIX, respeitando o instrumento anterior, adapta as cabeças da viola de arame à guitarra e, como estas tinham doze cordas, viu-se obrigado a alterar o encordoamento, redistribuíndo-as em seis ordens de cordas duplas e adicionando cordas de aço aos bordões.
Esta foi, seguramente, a maior transformação de todas, e aquela que mais terá contribuído para que a guitarra adquirisse a especificidade que lhe conhecemos hoje, com doze cordas e cravelhas.
Em Coimbra, na opinião de Armando Simões, a construção de guitarras remonta aos finais do século XIX e primeiro quartel do século XX, sendo as primeiras guitarras trazidas por estudantes do Porto e de Lisboa, mesmo quando a indústria da cidade já as fabricava. Segundo este autor, a Guitarra de Coimbra passa a distinguir-se da de Lisboa já nos finais do século XIX, sendo exemplo deste facto a guitarra de Augusto Hilário que, apesar de construída em Lisboa, por A. Vieira, tinha a escala mais comprida, para o mesmo número de pontos, a ilharga mais estreita e passou a afinar dois pontos abaixo do lámiré, perdendo o brilho do som que até aí apresentava, mas ganhando, em contrapartida, uma sonoridade mais grave, mais suave e melodiosa, bem ao estilo da música de Coimbra. Outro magnífico instrumento que podemos encontrar em Coimbra, nos finais do século XIX, é a guitarra de Antero Alte da Veiga, da autoria de Augusto Vieira e com a voluta esculpida por Ventura da Câmara. Esta, tal como outros instrumentos que vão da mesma época até ao começo do nosso século, apresentava outra curiosidade, tendo no tampo dois orifícios acústicos.
Manuel Portugal
Funcionamento mecânico-acústico
A Guitarra possui dose cordas metálicas distribuídas por seis ordens, três das quais afinam em uníssono (em pares de arame de aço) e as restantes em oitavas (em pares com arame nú e arame coberto). As cordas assentam num cavalete móvel (caracteristico dos instrumentos da família das cítaras) que transmite as vibrações ao tampo harmónico, sendo este levemente convexo. As cordas passam por cima do ponto em ressalto com trastes fixos em metal.
A técnica
O uso e função da mão esquerda sobre o ponto e os trastos, é comum a outros cordofones sendo, porém, a técnica da mão direita uma combinação de duas técnicas já conhecidas nos finais do séc. XV sob o nome de dedilho e figueta, consistindo estes na utilização dos dedos índice e polegar em movimento de vaivém (interior/exterior à palma da mão), sendo a pulsação da corda efectuada pela unha com apoio na polpa ou, mais recentemente, pelas unhas postiças de tartatuga ou celulóide, pulsando cada par simultaneamente.
A afinação
A afinação consiste na relação das cordas entre si, considerando-as livres de qualquer pressão sobre o ponto e os trastes. Assim temos: entre a 1ª e a 2ª ordens, um intervalo de 2ª maior; entre a 2ª e a 3ª ordens, um intervalo de 4ª perfeita; entre a 3ª e a 4ª ordens, um intervalo de 4ª perfeita; entre a 4ª e a 5ª ordens, um intervalo de 2ª maior; e entre a 5ª e a 6ª ordens, um intervalo de 5ª perfeita.
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